sexta-feira, 9 de setembro de 2011


Setembro chegou leve, trazendo em suas mãos fechadas, esses pedaços de mim há tanto tempo perdidos. Trouxe também, em seus olhos calmos, a pressa de um quase-amor, de beijos roubados das paredes, fronhas, espelhos e mãos.
Setembro trouxe o querer seus cachos entre meus dedos, a vermelha tinta de seus lábios marcando minha nuca, suas unhas delicadamente arranhando minha pele, seus pés frios entre minhas pernas mornas, sua boca delineando meu rosto.
Setembro trouxe falta de ar, borboletas valsando calmas em meu estômago, seu rosto cochilando em frente ao meu, seus cílios longos e claros, seus vestidos floridos e seus sapatos pequenos.
Setembro trouxe quase tudo, só esqueceu de trazer você.

terça-feira, 6 de setembro de 2011


Meus dedos dançam sobre as letras semi-apagadas das teclas de minha máquina de escrever, parando, hora ou outra, para um trago, uma tragada, um disfarçado suspirar. Minhas mãos parecem convidar minha memória para uma valsa lenta e longa com todas as pontas soltas, laços malfeitos, palavras malditas, silêncios fora de hora. Minha pele, meus ossos, meus restos e rastros, imploram por essas migalhas de você, esses pedaços do que fomos, do que poderíamos ter sido.
Meus olhos correm, como se tivessem pés, braços e controle sobre si mesmos, pelas cortinas cerradas de sua sala de estar, procurando por sombras, por olhos nos cantos, por luzes acesas. Meus olhos parecem sentir mais sua falta do que eu sinto.
Minha cintura procura, como se tivesse olhos e vontade própria, por seus braços e mãos comprimindo-a contra ti. Minhas maças do rosto procuram, como se rastreasse cada rosto que encontra, por seus lábios, por seu hálito de cereja e noite sem dormir. Meus pés procuram por seus passos, por algum ritmo que possa seguir. Meus olhos sentem falta do azul calmo de seu olhar, e minha boca sente falta de sua pele áspera, de sua nuca úmida, de seus cabelos desgrenhados atrapalhando nossos beijos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011


- Sente-se, - esticou o braço esquerdo, curto e magro, apontando com a palma aberta das mãos para a enorme poltrona a sua frente. Olhou-me nos olhos, voltando o braço para a lateral de madeira envernizada do sofá atrás de si. Deixou que seu pequeno corpo caísse sobre as almofadas, deixando de lado sua impecável postura. – por favor... Apenas sente.
Algo em sua voz indicava cansaço, ainda que seus olhos, quando analisados fora de contexto, quando emoldurados por outra face ou acompanhados por outra boca, soassem divertidos.
Deixei que suspirasse quatro vezes, olhando para o chão com impaciência, até que me sentei, colocando uma das almofadas verde oliva em meu colo. Apoiei meus cotovelos sobre ela, descansando meu queixo sobre as mãos. Esperei que dissesse algo, oferecesse ao menos um dos biscoitos da bandeja.
- Só isso? – Perguntei. – Apenas ficar sentada... Em completo silêncio? Mais nada?
- Sim, por favor. – Sussurrou, fixando o olhar nas grossas marcas em meus pulsos. – Apenas... Só fique calada, não se mova, tente pensar em nada. – Sua voz era amarga e chorosa, e suas mãos, trêmulas e vermelhas, agarravam-se ao encosto, cravando suas unhas escarlates na madeira.
- Para quê? – Tentei relaxar prendendo meus olhos nos arranhões causados pelo arrastar de móveis sobre o assoalho. Lembrava exatamente como havíamos feito a maioria deles, conectando-os automaticamente a um pequeno oceano de memórias.
O maior de todos surgiu depois que empurramos o piano por toda sala de estar, abrindo espaço para nossa cabana de lençóis. Nessa mesma noite, sob a luz pálida dos enfeites de natal, sob os brilhos suaves da lua, nossos lábios, secos e nervosos, encontraram-se pela primeira vez.
- Shiu. – Respondeu com pressa. – Mais tarde, agora só fique em silêncio. Apenas fique.
Levantei meus olhos para a mesa de centro, fitando o que sobrou de nossa porcelana, as últimas xícaras do jogo de chá. Houve a vez em que atirou o bule em minha direção, acertando as meias penduradas sobre a lareira. Houve a vez em que empurrou para o lado a bandeja de café da manhã, encolhendo-se sobre os cobertores. E, uma última vez, quando a encontrei sem vida ao pé da escada.
Estiquei meus braços, pegando umas das xícaras cheias de chá morno e aguado. Sua mão, fria e ossuda, logo deslizou sobre a louça, cobrindo a minha de repente. Seus olhos, azuis nebulosos, fitavam-me com ternura. Seus lábios, docemente incolores, tremiam. Ajoelhou-se rapidamente, guardando minhas mãos no calor das suas. Aproximou-se mais, apoiando o rosto rosado sobre a almofada em meu colo. Levou, uma a uma, as pontas de meus dedos até seus lábios, beijando-as com deleite.
- Senti saudades. – Deixou que as palavras voassem boca a fora, como se houvesse tido muito tempo para pensar no que dizer, como se cada entonação fosse delicadamente estudada. – Senti muitas saudades. Senti que... Senti que a culpa era minha. Senti que era eu a verdadeira vítima. Senti que não havia vítima. Senti que inventei tudo, que arrastei os móveis, quebrei as louças, espalhei perfume pelos lençóis, marquei os copos com batom, beijei meus braços, arranhei minhas costas, abracei-me, aninhei-me, amei-me, e por fim, matei-me. Senti que você não era você, que sequer havia você. Senti que você era eu e que simplesmente não precisava mais de mim. Senti muito, senti mesmo.
- E... Ao menos uma vez... Ao menos uma única vez... – Sussurrei enquanto segurava levemente seu queixo, prendendo meus olhos em seus olhos. – Pensou que poderia eu existir e você não?
E, antes que eu pudesse piscar, seus traços se dissiparam, seu aroma evaporou, sua saliva doce deixou meus dedos, os arranhões desapareceram do assoalho, e, sem ao menos precisar olhar o armário da cozinha, soube que o jogo de chá estava completo outra vez.