segunda-feira, 5 de dezembro de 2011


Talvez fosse apenas as luzes de natal, o som calmo dos embrulhos sendo rasgados e amassados.  Talvez fosse o encanto dos brinquedos novos, das bonecas presas em caixas, das histórias esperando para serem criadas. Talvez fosse apenas minha pressa de criança encontrando com  sua calma de quem cresceu rápido demais.
Talvez fosse o aroma de biscoitos no forno, os encontros no fim de tarde, os vestidos pendurados no varal. Talvez fosse teu medo do escuro, teu cheiro de cloro e protetor solar. O fato é que, naquele verão, há seis anos, te dei meu coração jovem e intacto. Não como se eu o embrulhasse com laços de fita e o entregasse na noite de natal, mas sim como se você fosse o possuindo, pouco a pouco, a cada pequeno minuto dos dias que passei com você.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011


Setembro chegou leve, trazendo em suas mãos fechadas, esses pedaços de mim há tanto tempo perdidos. Trouxe também, em seus olhos calmos, a pressa de um quase-amor, de beijos roubados das paredes, fronhas, espelhos e mãos.
Setembro trouxe o querer seus cachos entre meus dedos, a vermelha tinta de seus lábios marcando minha nuca, suas unhas delicadamente arranhando minha pele, seus pés frios entre minhas pernas mornas, sua boca delineando meu rosto.
Setembro trouxe falta de ar, borboletas valsando calmas em meu estômago, seu rosto cochilando em frente ao meu, seus cílios longos e claros, seus vestidos floridos e seus sapatos pequenos.
Setembro trouxe quase tudo, só esqueceu de trazer você.

terça-feira, 6 de setembro de 2011


Meus dedos dançam sobre as letras semi-apagadas das teclas de minha máquina de escrever, parando, hora ou outra, para um trago, uma tragada, um disfarçado suspirar. Minhas mãos parecem convidar minha memória para uma valsa lenta e longa com todas as pontas soltas, laços malfeitos, palavras malditas, silêncios fora de hora. Minha pele, meus ossos, meus restos e rastros, imploram por essas migalhas de você, esses pedaços do que fomos, do que poderíamos ter sido.
Meus olhos correm, como se tivessem pés, braços e controle sobre si mesmos, pelas cortinas cerradas de sua sala de estar, procurando por sombras, por olhos nos cantos, por luzes acesas. Meus olhos parecem sentir mais sua falta do que eu sinto.
Minha cintura procura, como se tivesse olhos e vontade própria, por seus braços e mãos comprimindo-a contra ti. Minhas maças do rosto procuram, como se rastreasse cada rosto que encontra, por seus lábios, por seu hálito de cereja e noite sem dormir. Meus pés procuram por seus passos, por algum ritmo que possa seguir. Meus olhos sentem falta do azul calmo de seu olhar, e minha boca sente falta de sua pele áspera, de sua nuca úmida, de seus cabelos desgrenhados atrapalhando nossos beijos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011


- Sente-se, - esticou o braço esquerdo, curto e magro, apontando com a palma aberta das mãos para a enorme poltrona a sua frente. Olhou-me nos olhos, voltando o braço para a lateral de madeira envernizada do sofá atrás de si. Deixou que seu pequeno corpo caísse sobre as almofadas, deixando de lado sua impecável postura. – por favor... Apenas sente.
Algo em sua voz indicava cansaço, ainda que seus olhos, quando analisados fora de contexto, quando emoldurados por outra face ou acompanhados por outra boca, soassem divertidos.
Deixei que suspirasse quatro vezes, olhando para o chão com impaciência, até que me sentei, colocando uma das almofadas verde oliva em meu colo. Apoiei meus cotovelos sobre ela, descansando meu queixo sobre as mãos. Esperei que dissesse algo, oferecesse ao menos um dos biscoitos da bandeja.
- Só isso? – Perguntei. – Apenas ficar sentada... Em completo silêncio? Mais nada?
- Sim, por favor. – Sussurrou, fixando o olhar nas grossas marcas em meus pulsos. – Apenas... Só fique calada, não se mova, tente pensar em nada. – Sua voz era amarga e chorosa, e suas mãos, trêmulas e vermelhas, agarravam-se ao encosto, cravando suas unhas escarlates na madeira.
- Para quê? – Tentei relaxar prendendo meus olhos nos arranhões causados pelo arrastar de móveis sobre o assoalho. Lembrava exatamente como havíamos feito a maioria deles, conectando-os automaticamente a um pequeno oceano de memórias.
O maior de todos surgiu depois que empurramos o piano por toda sala de estar, abrindo espaço para nossa cabana de lençóis. Nessa mesma noite, sob a luz pálida dos enfeites de natal, sob os brilhos suaves da lua, nossos lábios, secos e nervosos, encontraram-se pela primeira vez.
- Shiu. – Respondeu com pressa. – Mais tarde, agora só fique em silêncio. Apenas fique.
Levantei meus olhos para a mesa de centro, fitando o que sobrou de nossa porcelana, as últimas xícaras do jogo de chá. Houve a vez em que atirou o bule em minha direção, acertando as meias penduradas sobre a lareira. Houve a vez em que empurrou para o lado a bandeja de café da manhã, encolhendo-se sobre os cobertores. E, uma última vez, quando a encontrei sem vida ao pé da escada.
Estiquei meus braços, pegando umas das xícaras cheias de chá morno e aguado. Sua mão, fria e ossuda, logo deslizou sobre a louça, cobrindo a minha de repente. Seus olhos, azuis nebulosos, fitavam-me com ternura. Seus lábios, docemente incolores, tremiam. Ajoelhou-se rapidamente, guardando minhas mãos no calor das suas. Aproximou-se mais, apoiando o rosto rosado sobre a almofada em meu colo. Levou, uma a uma, as pontas de meus dedos até seus lábios, beijando-as com deleite.
- Senti saudades. – Deixou que as palavras voassem boca a fora, como se houvesse tido muito tempo para pensar no que dizer, como se cada entonação fosse delicadamente estudada. – Senti muitas saudades. Senti que... Senti que a culpa era minha. Senti que era eu a verdadeira vítima. Senti que não havia vítima. Senti que inventei tudo, que arrastei os móveis, quebrei as louças, espalhei perfume pelos lençóis, marquei os copos com batom, beijei meus braços, arranhei minhas costas, abracei-me, aninhei-me, amei-me, e por fim, matei-me. Senti que você não era você, que sequer havia você. Senti que você era eu e que simplesmente não precisava mais de mim. Senti muito, senti mesmo.
- E... Ao menos uma vez... Ao menos uma única vez... – Sussurrei enquanto segurava levemente seu queixo, prendendo meus olhos em seus olhos. – Pensou que poderia eu existir e você não?
E, antes que eu pudesse piscar, seus traços se dissiparam, seu aroma evaporou, sua saliva doce deixou meus dedos, os arranhões desapareceram do assoalho, e, sem ao menos precisar olhar o armário da cozinha, soube que o jogo de chá estava completo outra vez.

sábado, 20 de agosto de 2011


Não, não sinto sua falta. Nem ao menos por um segundo, nem quando as noites tornam-se gélidas e os corações parecem ainda mais vazios. Nem quando o tempo não passa, quando viver não tem graça, quando sonhar é exigir demais.
 Não sinto falta de mim, não sinto falta de ti. Sinto falta de nós. De quem fomos, de quem desejamos ser.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011


Tenho tido esses lapsos já faz um tempo. Essas partes de uma noite que não sei ao certo se vivi ou se sonhei, que vem e voltam como se eu lesse folhas soltas de um livro. Tenho visto esses olhos, olhos que lembram rostos que nunca vi. Tenho encontrado com bocas, bocas que lembram lábios dos quais o gosto nunca senti. Tenho conhecido pessoas, pessoas que lembram sentimentos que nunca entendi.
Tenho visto cachos, pintas, unhas, mãos, braços, coxas, pés, barriga e seios que formam um corpo que nunca conheci, uma cena que nunca vivi. Tenho encontrado com ela em alguns bares, bares que nunca visitei, garota que nunca antes avistei. Tenho sentido falta dela, sendo que nem ao menos sei quem é ela, sendo que nem ao menos sei se eu deveria saber.

sábado, 13 de agosto de 2011


Às vezes, quando os dias recusam-se a terminar antes da hora, tenho a impressão de que posso sentir seu gosto de canela e café dançando sobre meus lábios. Às vezes, quando as manhãs começam antes do tempo, posso sentir seu aroma de biscoitos de gengibre invadir minhas narinas. Às vezes, quando o tempo parece deixar-me para trás, lembro-me vagamente de você, de sua pele fria, de sua boca gelada, de sua nuca úmida, de seus cabelos longos e ruivos voando com o vento vindo da sacada. Às vezes, quando esqueço de você, lembro de mim.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

"Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

Minha vida não foi um romance
Minha vida passou por passar
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar..."

Mario Quintana

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Sentada entre os cobertores e lençóis de sua cama de casal, mantinha seus olhos cinza presos à pálida parede a sua frente. Tinha as mãos cruzadas em frente ao seu rosto, acariciando com os polegares seus lábios úmidos. Vestia sua samba canção preferida, xadrez vermelho e marrom, e sua camisa desbotada do The Cure. Parecia perdida na suavidade da manhã.
Fechou os olhos e bocejou, escorregando lentamente seu corpo para debaixo das cobertas. Virou-se para a direita, sorrindo docemente para a garota ao seu lado. As ondas sutis de seu cabelo castanho espalhavam-se pelo travesseiro azul Royal, e seu rosto claro trajava a suavidade de seus sonhos.  Estendeu seus braços tatuados, aninhando-a.
Certamente poderia passar o resto do dia observando-a dormir, imaginando a profundidade de seu sono, a delicadeza de seus sonhos. Poderia, sem problema algum, passar o resto de sua vida acariciando aqueles cabelos desgrenhados, aquela silhueta magra, aquelas pernas finas, aquele rosto calmo. Mas, já fazia horas que não escutava a rouquidão de sua voz, a forma simples como escolhia as palavras.
-Hora de acordar. – Sussurrou, deixando que o som de seu sorriso fosse abafado pela pele e cabelos da pequena garota. – Já passam das onze horas, Al.
- Hmm. – Alice piscou, soltando-se rapidamente e esticando-se pela cama. – Só mais um pouquinho. –  Umedeceu os lábios, virando-se  e deixando que suas pernas finas enrolassem-se às pernas de Sara, apertando-a com seus magros braços.
- Precisamos levantar, querida.  Comer alguma coisa. Estamos dormindo há... Meu Deus, desde que horas estamos dormindo? – Disse enquanto pulava da cama e procurava suas pantufas pela penumbra do quarto.
- Mas está tão agradável aqui, tão... – Murmurou.
Sara desistiu de encontrar as pantufas, abrindo as cortinas e voltando-se para Alice escondendo o rosto da luz. Puxou os cobertores com rapidez ao mesmo tempo em que encurralava a garota contra os lençóis.
- Nem pense em esconder seu rosto de mim ou desse dia ensolarado. Nem pense nisso, ouviu? – Sorriu torto, roubando um beijo com hálito de manhã. – Vamos, levante. – Segurou as mãos pequenas e macias de Al, puxando-a em sua direção. Beijou-lhe as maças rosados do rosto, e a puxou até o banheiro.
Sentou-a sobre a bancada, colocando pasta de dente em sua escova rosa.
 - Tome, eu vou até a cozinha preparar nosso café. – Beijou-lhe as bochechas. – Ah, vista um casaco, está ficando frio.
- Está bem. – Sussurrou enquanto Sara deixava o cômodo. – Está ótimo. – Tocou lentamente os pés no ladrilho gélido, ficando apenas na ponta dos pés. Virou-se para o espelho, ajeitando os cabelos e escovando os dentes com pressa. Cuspiu. –Ah querida, está tudo tão perfeito. – Sussurrou olhando vagamente para seu reflexo sujo de espuma, olhando com aqueles olhos de quem enxerga além. – Tão irreal. Que eu não acorde, por favor! Que nada disso tenha fim. 

(Por favor, alguém me diga como voltar a escrever bem.)

sábado, 25 de junho de 2011

terça-feira, 21 de junho de 2011

Seu pescoço estava ao alcance de meus lábios mornos. Sua boca aveludada abria e fechava com sua respiração irregular, deixando escapar seu hálito tépido, seu gosto de amora e manhã. Seria tão fácil alcançá-la com meu rosto, marcar o seu corpo, dançar meus dedos sobre sua pele fria.
Mas minha face, minhas mãos, minhas pernas e meu tronco cessaram movimento assim que seus olhos voltaram-se para mim. Sorria enquanto meu coração disparava sua melodia mais sombria. Levantou. Sorriu outra vez. Meus dedos imploravam por movimento, por um toque, pelo passear sobre a pele macia, sobre as curvas suaves, sobre ela. Caminhou até a porta.
Pudera tê-la prendido em meus braços, ter implorado que ficasse, ter feito do quase - tudo, tudo.

sábado, 14 de maio de 2011

Em frente ao espelho de sua penteadeira, observava os traços imperfeitos de seu rosto, desviando os olhos de seu reflexo apenas para observar o pedaço de foto amassado em suas mãos. Prometera a si mesma esperar por ela o tempo que fosse preciso. Prometera guardar a foto dela no fundo falso da gaveta e nunca deixar que alguém a encontrasse. Prometera o amor em segredo.
Mas agora, depois de tantos anos, como poderia esconder algo tão importante? Como poderia manter todas essas borboletas dentro de si sem deixar que nenhuma delas escape, procure outros corpos, espalhe seu segredo?
Olhando para seu próprio rosto não podia deixar de se perguntar se havia alguém para amá-la, para guardá-la no fundo falso da gaveta, para pedi-la em casamento um milhão de vezes em seus sonhos. Havia alguém que alimentasse borboletas por ela? Haveria alguém que nas madrugadas frias de sábado apertasse as mãos para não pegar o telefone, para não discar seu número, para não contar o quanto se importa? Haveria alguém que se importasse? Haveria alguém que a amasse como ela ama?
Apertou outra vez a foto contra o peito, deixando que lágrimas vertessem de seus olhos castanhos, deixando que o retrato amassado preenchesse uma parte de seus vazios. E seria isso tudo realmente amor?

terça-feira, 26 de abril de 2011

Deitada, sob a luz calma do abajur de meu quarto, podia escutar com precisão o bater leve de seu coração e observar, em meio a penumbra, as curvas suaves de seu pequeno corpo. Sentia, como quem sente a primeira brisa do verão, sua respiração passar por meu rosto, dançando em meus cabelos.
Tudo o que penso em dizer é tão clichê, tão tudo aquilo que penso sentir e não sinto. E eu não quero dizer que amo você, não quero que você pense que só penso em você ou que largaria qualquer coisa pra tê-la por perto. Porque, querida, eu não sou assim.
Eu não a amo o tempo todo, não faria nada para tê-la ao meu lado, tampouco a quero ao meu lado. Mas, quando lentamente meus olhos fecham-se, quando sinto-me sozinha na escuridão de meu quarto, é em você que eu penso. São seus olhos que lembro de estarem tão próximos aos meus. São seus lábios que arrependo-me de não ter beijado. São suas mãos que meus dedos sofrem por não terem agarrado.
E quando penso em algo que me faça sorrir é em sua risada infantil que penso, em suas manias esquisitas, na maneira como anda e como erra algumas palavras quando fala com pressa. Quando sinto-me estranha lembro que isso tudo não sou só eu, somos nós, duas estranhas perdidas em eternos vazios.

sábado, 23 de abril de 2011

E quando penso que poderíamos ser algo além do que somos, que poderíamos ser tudo isso que somos dentro de mim, percebo que a amo muito mais do que a realidade permitiria que amasse.